domingo, janeiro 07, 2007

Psicanálise da luta dos índios contra os cowboys…

Nada mais triste do que não perceber as nossas próprias opiniões, ou, dito de outra forma, a génese das nossas opiniões.

Que os outros não compreendam, é natural, entende-se e é explicável pela falta de visão de conjunto. Pela não participação no processo do nosso crescimento.

Nós só conseguimos ver uma pequena parte da realidade… e é provavelmente essa uma das razões de tantas diferenças de opinião.


O estranho é quando nos apercebemos, de súbito, que num dado momento da nossa vida algo mudou, tendo essa pequena mudança originado uma série de acontecimentos em cadeia que levou à formação de uma outra personalidade, bem diferente do expectável.

Houve um momento em que tudo levaria a acreditar que este sujeito que escreve estas linhas seria um defensor implacável do sonho Americano.

Recordo os primeiros livros, a formação “Enid Blyton” dos meus seis anos de primeiras letras, que se estendeu por alguns anos de infância. Com eles desenvolvi o meu desejo de aventura enquanto percebia que os Amigos fazem parte da história toda. E que sem eles, a história não tem sentido!

A seguir veio o Buffalo Bill, o David Crocket e o David Carson.

A ideia de que o mundo era um território imenso a descobrir e desbravar, empurrando a barbárie para reservas bem controladas enquanto a civilização avançava implacável.

De súbito, a criança que se imaginava num mundo de aventuras sob controlo, passou ao mundo exterior, ainda que num passado mais ou menos longínquo.

E porque todos todos nós aprendemos fazendo, dos bonecos dos gelados Olá, mimetizando os livros dos cinco nas construções dos legos, fomos passando às cowboyadas de rua, com tiros de imitação e a eterna recusa em fazer o papel do índio, entregue invariavelmente ao mais desejoso do apoio do grupo.

Para poder continuar em casa - fora de horas e às escondidas dos pais - a brincadeira preferida, à saída da escola, em vez de apanhar o autocarro de regresso, mentíamos aos pais e regressávamos a casa a pé, quer chovesse ou fizesse sol, para poupar os 2$50 do bilhete.

E a poupança desfazia-se no Bazar dos três vinténs, no balcão do far-west.

Comprávamos os índios e os cowboys (mais dos segundos, sempre, que dos primeiros, para manter a possibilidade de vitória) e iniciávamos a explicação do nosso mundo infantil.

O mundo girava em torno desta guerra civilizacional de plástico, alegoria pueril da nossa imaginação.

Vista à distância, não posso deixar de reparar na ironia do mercado: Um índio custava tanto como um cowboy… (5$00 – duas viagens de autocarro) e a única diferença no preço era o cavalo… sendo que um índio a cavalo valia tanto como um cowboy montado. (exactamente 10$00, ou seja, 4 viagens de regresso a casa).

Com esta criação do mundo, estreei-me na matemática aplicada à vida e compreendi que tudo se constrói peça a peça, mesmo quando se trata de construir um novo mundo.

Ao fim de algumas semanas (estimo que cerca de 60 – o que equivale a dizer 2 anos de ciclo preparatório, descontando as deliciosas e intermináveis férias de verão, de natal e Páscoa) eu e o meu irmão tínhamos um exército colonial à maneira e muitos, mesmo muitos, inimigos a combater.

Com ajuda externa fomos possuindo tendas para os índios e casas para os cowboys, até que um dia construímos, no pátio da nossa casa, o forte dos cowboys.

Mas, ironia das leituras, o tempo que vivia ajudou-me a descobrir outros universos.

Júlio Verne substituiu Buffalo Bill e o miúdo dos doze anos encontrou outras perguntas…

Com o passar dos meses, enquanto os nossos "Bills", os "Kits" e "Crockets" iam vencendo os "nuvens negras", os "bocejos de urso" e outros personagens da nossa imaginação, fomos perdendo o sentido posicional e ganhando afeição pelos fracos.

E um dia, num daqueles domingos estremunhados sem programação televisiva capaz de acalmar os putos, juntámos a pólvora dos cartuchos de caça do vizinho do lado e planeámos a revolta dos índios.

Minámos o forte (o tal que nos tinha custado semanas a construir), colocamos os cowboys em pontos estratégicos e posicionamos os índios nas redondezas, de forma a poderem assistir à grande batalha.

Quando não havia vizinhos nas imediações riscámos o fósforo, acendemos o rastilho e sentámo-nos a assistir à vingança dos oprimidos.

O forte ardeu, todo, os cowboys derreteram em pequenas chamas azuis até serem apenas insignificantes coágulos de plástico no chão e, durante largas horas, abateu-se sobre a casa um cheiro nauseabundo a morte.

E depois… perdeu a graça!

Nos anos seguintes, a imagem dos cowboys aos gritos foi-se apagando da minha imaginação, até que ontem, acordei estremunhado e compreendi porque razão a minha brincadeira favorita tinha acabado.

Para terminar, uma referência a uma das personagens que mais me marcou:

O Tim.

O resto… fica apenas para a vossa imaginação!...

10 comentários:

Carmen disse...

às vezes,assalta-nos esta nostalgia das crenças de infância...mas ainda bem que passamos pelo momento de deitar fogo ao forte.
Doi crescer mas é inevitável!!

Anónimo disse...

Gostei de ler este «regresso ao passado»...'lá em casa' tb víamos os Cinco, demos cabo dos exércitos azuis e montávamos tendas de indíos na varanda, com cobertores (para desespero da nossa Mãe) e jogávamos ao eixo, às bonecas e às lojas, ao mata e à carica na rua...Ehehehehehe...era lindo pois era.
Mas isso, já lá vai há séculos :-)
É a marcha do tempo amigo Eduardo Leal...e é 'proibido' olhar para trás ;-)
Ms que tá bonito o post está sim senhor!

Belzebu disse...

Percorri as mesmas etapas, embora nunca tenha tido um irmão que me ajudasse a pôr em práctica as minhas tendências pirómanas!

Se calhar eu também já considerava os cowboys meio abushanados e como tal, também dava uma ajudinha aos vermelhos! Como tu, no tempo em que torcias pelos vermelhos!

eheheh!! Saudações infernais!

Anónimo disse...

Delicioso!!!
Felizmente que «os cinco» faziam parte de outras aventuras que não as coboiadas...

Percorri em tempos de soldadinhos de chumbo todas essas aventuras,atravessei com os pioneiros o Colorado e as pradarias, cruzei-me com forasteiros e cow-boys solitários e ingénuos que em duelos intermináveis se fartavam de abater centos de crápulas,acabados de entrar no saloon em bandos pestilentos, prontos para roubos e violações em série,pistoleiros sem misericórdia.

Uma dada maré da adolescência foi-se desvanecendo este far-west sob o cheiro do napalm de mais uma batalha pelo sonho americano, desta vez longe dos sioux e dos apaches, num medonho paraíso que os jornais diziam chamar-se Vietnam...
quantas atrocidades para um sonho longe de casa !!!

Anónimo disse...

;-)

Viva os Indíos!

UGH!!
Cara-pálida falou.
:-D

Anónimo disse...

Eduardo
gostei imenso do teu "regresso ao passado"
Apesar de não ter brincado aos cowboys, aproveitava o máximo de tempo possível para estar com os colegas e brincarmos até escurecer.´
A lembrança desses momentos faz-nos muito felizes.
Obrigada por partilhares os teus connosco

Bjos

Anónimo disse...

Pois é! Crescemos nos meio de cowboys e de índios, que é como quem diz, do bem e do mal (no fundo o sistema binário do "zero" e do "um" - aberto e fechado - que faz funcionar o maravilhoso mundo dos computadores.) ou - melhor ainda - dos bons contra os maus. Como convém, nestas histórias gostávamos sempre de nos identificar com os Bons (obviamente). O problema surge no dia em que percebemos que, afinal, os bons não são assim tão bons e se calhar os maus também não são assim tão maus. Aí fica tudo baralhado. Pois é!

Blogoexisto.

étoile disse...

Também me iniciei pelos caminhos da leitura com "Os Cinco"... adorava. Cheguei a reler muitos deles. Agora soube-me bem relembrar. E, também concordo, o Tim foi uma "personagem" muito marcante.

Sun disse...

Viajei na sua historinha...

Anónimo disse...

Eduardo lembro-me de ter participado num concurso de legos organizado pelo bazar dos três vinténs, têm alguma ideia de ter participado?

joão