.......Abrantes foi, portanto, uma casa breve. Um lugar de saída, de começo, de memórias difusas.
.......Agora já não sei colar as coisas no lugar. Não tenho a certeza se as memórias das mãos dadas com o meu Pai, no café, na papelaria do Vítor Borda D’Água, são do antes ou das visitas que depois fomos fazendo a Abrantes.
.......Fica para memória presente que guardo em mim o orgulho de um Pai com o filho, qual troféu, por entre conversas de Amigos.
.......As mágoas ficam para mais tarde!
.......Porque este meu Pai há-de ter sido mais forte do que ele próprio pensava.
.......Porque este Pai que eu lembro dos dias de Abrantes é, ainda hoje, o Pai que eu procuro dar à Joana nos dias em que tento construir futuro e estruturar o seu passado!
.......Este é o Pai que, noite após noite, enquanto me aconchegava os lençóis, me coçava as costas num ritual definitivo. Definitivo porque sempre que o faço, à Joana, me lembro dele. E sempre que me queixo que se trata de um gesto sem retorno me recordo também das suas queixas.
.......Este é o Pai que anos após anos nos preparou o copo de leite da manhã. Preparava-o, personalizado em função dos gostos e caprichos dos 4 filhos que, mais ou menos estremunhados faziam desse gesto o toque de despertar. Só me recordo de quebrar esse ritual no dia em que saí de casa.
.......Mas, porque lá vou eu às voltas para fora do assunto inicial, regresso a Abrantes.
.......Da minha terra natal pouco mais recordo dos dias abaixo dos três anos. E, provavelmente, é assim que deverá ser e sendo assim importa respeitar os caminhos da memória. Neste caso, sinuosos como o dono!
.......Sei que morávamos na escola, onde em cada passagem corríamos em peregrinação todas as vezes que lá voltávamos. Na escola das meninas. Que os tempos não eram de misturas e o sexo oposto era anos a fio visto como isso mesmo…
.......Era nessa escola que a minha Mãe dava aulas. A casa da professora não era magnífica. Já não o era e as visitas posteriores assim o confirmaram. Na memória construída desses tempos, em noites de recordações familiares, estão as armadilhas para os ratos, às dezenas, como impunha a tradição e as minhas fantasias de miúdo (e os contos aumentativos da minha Mãe). Estavam por baixo das prateleiras da dispensa, por baixo de uma escada.
.......Gato não havia… talvez porque o respeito do regime de então pela classe dos professores não se compadecesse com o necessário sustento de quatro filhos. Não eram tempos para encher a barriga a animais de companhia… e nem disso precisávamos porque companhia foi coisa que nunca faltou…
.......No recreio da escola, que era também o jardim da casa, neste jogo esquizofrénico entre o trabalho da Professora/Mãe e os afectos da Mãe/Professora havia um Mundo imenso.
.......Recordo vivamente uma casa de banho com portas de madeira de tinta lascada, igual a todas as casas de banho das escolas que conheci (e foram bastantes!).
.......No recinto, árvores e terra batida. Ao fundo do recreio um muro encavalitado sobre o terreiro das camionetas de passageiros.
.......O mesmo muro onde estive para cair, sendo salvo in extremis pela minha irmã mais velha. O tombo, que na altura me teria parecido imenso, estes anos todos, descontados os centímetros do meu inevitável crescimento, teria sido apenas o suficiente para não estar hoje aqui a contar mais nada.
.......A última vez que olhei o muro (faz quase um ano), reparei que já está devidamente protegido com uma rede muito “europeia” e absolutamente em conformidade com as normas vigentes para qualquer escola que se preze. Aproveitei e confirmei o mito familiar!
.......Teria sido caso para drama inolvidável para o resto da família. Como não foi, o assunto resumiu-se a uns açoites à minha irmã, confirmados durante anos pelas palavras de arrependimento em muitos serões em anos seguintes.
.......À minha Mãe tinha-lhe parecido que a Cristina se entretinha em empurrar-me muro abaixo, numa confirmação tresloucada de um qualquer complexo Freudiano, e, sendo assim, aplicou a regra básica da educação da época, muito em voga no nosso clã: Até prova concludente em contrário, a culpa não pode morrer solteira.
.......A regra era de ouro e confirmava-se muitas vezes. Não foi o caso.
.......A confirmação do arrependimento foi-se varrendo nos últimos anos, nas últimas reuniões de família e o mito transformou-se em lenda!
.......Já não tenho a certeza de nada! E não interessa! Que a memória tem dessas coisas… é de cada um de nós!
.......E isto vale no seu todo! As minhas memórias serão reais?
.......Agora já não sei colar as coisas no lugar. Não tenho a certeza se as memórias das mãos dadas com o meu Pai, no café, na papelaria do Vítor Borda D’Água, são do antes ou das visitas que depois fomos fazendo a Abrantes.
.......Fica para memória presente que guardo em mim o orgulho de um Pai com o filho, qual troféu, por entre conversas de Amigos.
.......As mágoas ficam para mais tarde!
.......Porque este meu Pai há-de ter sido mais forte do que ele próprio pensava.
.......Porque este Pai que eu lembro dos dias de Abrantes é, ainda hoje, o Pai que eu procuro dar à Joana nos dias em que tento construir futuro e estruturar o seu passado!
.......Este é o Pai que, noite após noite, enquanto me aconchegava os lençóis, me coçava as costas num ritual definitivo. Definitivo porque sempre que o faço, à Joana, me lembro dele. E sempre que me queixo que se trata de um gesto sem retorno me recordo também das suas queixas.
.......Este é o Pai que anos após anos nos preparou o copo de leite da manhã. Preparava-o, personalizado em função dos gostos e caprichos dos 4 filhos que, mais ou menos estremunhados faziam desse gesto o toque de despertar. Só me recordo de quebrar esse ritual no dia em que saí de casa.
.......Mas, porque lá vou eu às voltas para fora do assunto inicial, regresso a Abrantes.
.......Da minha terra natal pouco mais recordo dos dias abaixo dos três anos. E, provavelmente, é assim que deverá ser e sendo assim importa respeitar os caminhos da memória. Neste caso, sinuosos como o dono!
.......Sei que morávamos na escola, onde em cada passagem corríamos em peregrinação todas as vezes que lá voltávamos. Na escola das meninas. Que os tempos não eram de misturas e o sexo oposto era anos a fio visto como isso mesmo…
.......Era nessa escola que a minha Mãe dava aulas. A casa da professora não era magnífica. Já não o era e as visitas posteriores assim o confirmaram. Na memória construída desses tempos, em noites de recordações familiares, estão as armadilhas para os ratos, às dezenas, como impunha a tradição e as minhas fantasias de miúdo (e os contos aumentativos da minha Mãe). Estavam por baixo das prateleiras da dispensa, por baixo de uma escada.
.......Gato não havia… talvez porque o respeito do regime de então pela classe dos professores não se compadecesse com o necessário sustento de quatro filhos. Não eram tempos para encher a barriga a animais de companhia… e nem disso precisávamos porque companhia foi coisa que nunca faltou…
.......No recreio da escola, que era também o jardim da casa, neste jogo esquizofrénico entre o trabalho da Professora/Mãe e os afectos da Mãe/Professora havia um Mundo imenso.
.......Recordo vivamente uma casa de banho com portas de madeira de tinta lascada, igual a todas as casas de banho das escolas que conheci (e foram bastantes!).
.......No recinto, árvores e terra batida. Ao fundo do recreio um muro encavalitado sobre o terreiro das camionetas de passageiros.
.......O mesmo muro onde estive para cair, sendo salvo in extremis pela minha irmã mais velha. O tombo, que na altura me teria parecido imenso, estes anos todos, descontados os centímetros do meu inevitável crescimento, teria sido apenas o suficiente para não estar hoje aqui a contar mais nada.
.......A última vez que olhei o muro (faz quase um ano), reparei que já está devidamente protegido com uma rede muito “europeia” e absolutamente em conformidade com as normas vigentes para qualquer escola que se preze. Aproveitei e confirmei o mito familiar!
.......Teria sido caso para drama inolvidável para o resto da família. Como não foi, o assunto resumiu-se a uns açoites à minha irmã, confirmados durante anos pelas palavras de arrependimento em muitos serões em anos seguintes.
.......À minha Mãe tinha-lhe parecido que a Cristina se entretinha em empurrar-me muro abaixo, numa confirmação tresloucada de um qualquer complexo Freudiano, e, sendo assim, aplicou a regra básica da educação da época, muito em voga no nosso clã: Até prova concludente em contrário, a culpa não pode morrer solteira.
.......A regra era de ouro e confirmava-se muitas vezes. Não foi o caso.
.......A confirmação do arrependimento foi-se varrendo nos últimos anos, nas últimas reuniões de família e o mito transformou-se em lenda!
.......Já não tenho a certeza de nada! E não interessa! Que a memória tem dessas coisas… é de cada um de nós!
.......E isto vale no seu todo! As minhas memórias serão reais?