domingo, fevereiro 05, 2006

Na casa dos outros...


Se fosse para dizer banalidades, (coisa que muitas vezes até tem graça), provavelmente escolheria outras vias de comunicação.
Os temas mais banais, aqueles que não nos aquecem nem arrefecem mas que muitas vezes nos fazem rir, precisam de mais presença, de mais risos fáceis.

E é por isso, porque estes espaços da net nos dão mais tempo para reflectir, que gosto de escolher temas mais controversos.
Ao ler os comentários ao meu último artigo, apercebo-me como é fácil distorcer o que pensamos.
Algumas vezes bastará um erro de interpretação ou uma leitura menos atenta, ou até, porque não, uma construção deficiente do texto.
Outras vezes, infelizmente muitas, bastará um pouco de má fé, aliada a maus instintos e atitude cobarde escondida sobre o nome de um qualquer anónimo.

Para que fique claro, esta sociedade onde vivemos, dita civilizada e ocidental tem imensos defeitos que abomino, mas também inúmeras virtudes que defendo.
Apenas não me assumo como paladino do "ocidentalismo" pelos quatro cantos do mundo. (ideia curiosa esta, dos quatro cantos, que continuamos a usar, apesar de estarmos hoje bem certos de que o mundo é redondo, ligeiramente achatado nos polos).
E antes de tratar o tema que escolhi para hoje, aproveito ainda para dizer (neste casos escrevendo), que os próprios termos "civilizada" e "ocidental" são de per si bem relativos. Para que nos assumamos como ocidentais, apenas é necessário que nos desloquemos para o lado oeste de um qualquer oriente. É sempre uma questão de posicionamento e perspectiva.

Mas... adiante!
Uma das virtudes que aprecio, na nossa velha e sábia Europa, apesar de já sem alguns dentes, (a velha Europa, claro) é a ideia de tolerância e de respeito pela diferença.
Já o disse muitas vezes, mas faço parte dos que acreditam que a Democracia é mais que o poder das maiorias. É também, necessariamente, o respeito pelas minorias.
E isto deve servir para quando estamos no lado das minorias, mas, sobretudo, para quando fazemos parte das maiorias.

E assim sendo... sendo certo que faço parte do numeroso número dos que fizeram uma opção heterossexual e, porque encontraram a pessoa que acharam adequada para partilharem uma vida comum, fizeram um contrato público que define as regras da vida em comum, não percebo porque razão, só porque faço parte de uma maioria, hei-de inviabilizar outras opções de vida.

Hoje discute-se a possibilidade de pessoas, independentemente do seu sexo, poderem celebrar um contrato do tipo do casamento.
Ouvem-se as vozes dos detractores desta medida, alegando que este tipo de casamento é contra-natura, que contraria o grande desígnio do ser humano, agora assumido como a reprodução da espécie.
É curioso verificar que muitos dos principais opositores à legalização deste tipo de casamento optarem também eles por não se reproduzirem...

Pois a mim parece-me que o principal intuito de um alargamento do âmbito da lei que define as condições do casamento é regulamentar o que já acontece de facto.
Permitir que quem opta por dividir a sua vida e também a propriedade, o possa fazer de forma clara, sem ambiguidades e constrangimentos.
Com a celebração de contratos entre pessoas, independentemente do sexo, assegura-se que quem casa aceita regras determinadas de convivência e define também o que acontece aos membros do casal quando um deles morre. Determinando a transmissão da propriedade e evitando que pessoas que viveram juntas uma vida inteira, que juntas construiram e partilharam espaços e vivências, possam ser privadas disso mesmo por outros, em nome de laços familiares.

Acredito na Família, mas acredito também que somos mais do que isso. Somos em função de quem Amamos, família ou não e isso está bem patente na lei, quando define que o conjuge, apesar de não ter connosco laços de sangue, é também família.

Porque não há-de alguém poder afirmar isso mesmo... para além da possibilidade da existência de laços sexuais?

Somos de facto uma sociedade obcecada sempre com o mesmo. Haja Freud!

Um caso final para reflectirmos:
Se duas pessoas decidirem compartilhar espaços e atenção e optarem por viverem juntas, nós seremos capazes de criticar?
Se ao fim de alguns anos uma delas morrer e a casa onde viviam for reclamada pelos seus herdeiros, seremos capazes de apoiar o despejo da que sobreviveu à primeira?
Se os mesmos herdeiros reclamarem todos os pertences, independentemente de saberem ou provarem a quem pertenciam de facto, se ao seu familiar, se à outra pessoa ou se às duas, ficaremos calados?

Ou seremos capazes de defender a existência de uma lei, clara e inequívoca, que determine a possibilidade de celebração de contratos entre duas pessoas, independentemente das suas opções sexuais, dos seus credos religiosos, das suas idades, da cor das suas peles?

Vá lá! Pensem nisto! Afinal... nem precisamos de viver com elas!

3 comentários:

Anónimo disse...

muito bem dito. gostei :)

JL disse...

Como sempre: excelente e irrepreensível. Nada tenho a opor ao casamento dos homossexuais. Sou heterosexual por opção e, creio, por determinação genética. Não vejo que essa opção diferente ponha em risco a minha sobrevivência ou que choque com a minha liberdade. Por isso nada tenho a opor. Já não posso dizer o mesmo no que respeita à adopção de crianças por "casais" de homossexuais. Tenho as minhas sérias reservas e se for confrontado com uma questão dessas a minha opinião é negativa.

Não deixa de ser curioso, contudo, que sendo o casamento uma instituição ancestral que atravessa uma das suas maiores crises - hoje os casais hetero optam mais depressa pela comunhão marital, ou união de facto do que por casar - seja do lado dos homossexuais que surgem as maiores defesas do casamento. Curioso como os tempos mudam. Mas, creio, que tudo isso passa, naturalmente, pela defesa dos interesses de cada um dos envolvidos, como deixas dito na parte final do teu artigo.

Unknown disse...

Olá,
Depois de uns bons dias de gripe intensa, cá estou para ver tuas novidades e saber de ti!
Deixo-te muitos beijinhos, flores e muitos sorrisos!