
Às vezes pergunto-me que espécie de religiosidade é a minha que oscila de forma ostensiva entre as mais sagradas certezas científicas e as mais absolutas dúvidas místicas...
À medida que os anos passam e, porque inevitavelmente não podemos deixar de ver o circo do mundo, vamos tomando consciência da ideia de morte e procurando, uma a uma, resolver todas as grandes questões filosóficas, como se fossemos o grande escolhido dum qualquer desígnio supra-humano.
Com os anos, vou aprendendo a respeitar os grandes vultos da história da nossa humanidade e, à medida que tento compreendê-los, separá-los da corrosão do tempo e do sedimento que lhes colocam em cima.
Lembro-me de vários autores que afirmavam, umas vezes de forma subtil, outras de forma grotesca, que na hora do momento final, todos se convertem à religião que está mais à mão...
Não tenho dúvidas que nós, seres humanos, como provavelmente outros animais, precisamos de ter fé.
Uns acreditam em Deuses crueis e castigadores, outros acreditam em Deuses super-protectores, outros em Divindades à sua própria imagem e outros em verdades científicas mais ou menos dentro do prazo de validade.
Li há dias um livro muito interessante, de um dos meus autores preferidos, Amin Maalouf, que aborda um tema muito actual, provavelmente sempre actual: A relação entre as várias religiões e a forma como se ligam umas às outras.
O tema é contemporâneo, apesar de a acção se passar há mais de mil anos, na época do início do declínio Romano.
Hoje como ontem o mundo contorce-se em torno de formas de ver o mundo, de perspectivas diferentes sobre a realidade...
Trata-se de um romance histórico, sobre a vida de Mani, que deu origem à expressão "maniqueísmo", mas que, como se pode compreender pela leitura, é absolutamente o oposto do sentido em que usamos hoje este termo.
O termo "maniqueísmo" é usado para ilustrar uma concepção do mundo a preto e branco, uma forma de encarar as coisas, afirmando que ou se está em baixo ou se está em cima, resumindo, onde as coisas têm que ser "bem" ou "mal".
O que mais me impressionou neste livro - Jardins de Luz , Amin Maalouf - para além da forma notável como está escrito e para além do testemunho de uma vida (e de uma morte) em tudo comparável à dos grandes enviados da sabedoria, é o facto de se conseguir encobrir durante séculos uma história tão notável.
Mais ainda... a forma como a "situação" conseguiu distorcer de forma tão grosseira, mas eficaz, a História por detrás da história.
É triste! Como é triste verificar que conhecemos um Cristo, muito provavelmente bem diferente daquele que viveu na Galileia, um Buda distante das suas ideias originais e por aí fora.
Daqui a mil anos que dirão sobre Ghandi?
Que histórias contarão sobre Martin Luther King?
E que saberemos nós, hoje, sobre o que se passa realmente à nossa volta?!
Como poderemos nós fugir a esta grande trama e encontrar os caminhos mais seguros?
Há dias assim... em que acordo e adormeço com um sabor amargo, no céu da minha boca.