sexta-feira, junho 19, 2009

Um Caminho.2



Verifico que muitos dos meus textos começam com a minha mão à procura de outra mão… e, numa espécie de auto-psicanálise barata, tento encontrar razões.
“Num dia, de um mês, de um ano qualquer, no século XX, passeavam tranquilamente um Pai e um Filho. O filho pela mão do Pai, o Pai pelos olhos do filho”. Foi isto que escrevi num breve conto psicadélico dos meus 18 anos…

Esta mania de complicar as coisas… Pai e filho podem falar uma vida inteira sobre coisa nenhuma… e é assim que a coisa funciona.
As paixões de um Pai podem passar a ser apenas manias de um filho qualquer. E isso é grave?
E dar a mão é assim tão importante… tão estruturante?

Será que é por isso, também por isso, que preciso de uma mão na minha ao adormecer?
Será que tudo se resume a um conjunto mais ou menos vasto de sensações de infância?

Será que nunca conseguiremos deixar de ser os caçadores cansados, enroscados, à noite, no meio do mato, fogueiras quase extintas, com saudades da caverna da sua Mãe?!

Adiante… que o tema é rico e dá para muita conversa da treta!

Vamos então desconstruir o miúdo. Perceber o barro do qual se fez este homem.

A paixão pelo Porto não é primordial, porque tudo começou noutras latitudes.
E é nessas latitudes que, provavelmente, estão os nós maiores deste meu ego. O tempo turvou já aquilo de que me lembro e, por essa razão, não me é já fácil distinguir o que foi real daquilo que já construí em cima das minhas experiências.
A memória mais sólida de Abrantes é do dia de saída. Do imenso caixote de brinquedos ao cimo das escadas, condenado pelas leis do espaço a não viajar para o Porto.
O caixote, admito, é do tamanho do desejo/revolta da criança. Provavelmente estaria cheio de quase coisa nenhuma… mas tem a força da teatralidade do momento.
A verdade é que, mais de 40 anos depois, não consigo diminuí-lo. Era grande, ponto!

Tem o tamanho imenso que todas as perdas futuras terão sempre para mim!

Se me perguntassem, sem toda a informação que recolhi mais tarde e sem a lógica inevitável do preenchimento dos espaços vazios, se tinha saído directamente de Abrantes para o Porto, diria que sim. Claro que sim!

Mas não! Há, pelos vistos, um período que só a custo recordo, em que estive sem os meus Pais.
Parece que pouco tempo, um mês, talvez nem tanto, estive com a minha Avó e com o Avô que nunca foi Avô até morrer.
Apenas lembro o momento da chegada do magnífico Ford Prefect do meu Pai, que tantas vezes, em viagens infindáveis, pela noite ou nevoeiro fora nos levou às Beiras nos anos seguintes.


Aqui estamos nós, os quatro, comigo à direita.
O grito da minha Avó “Vem aí a vossa Mãe!” e depois aquela imagem cinematográfica do carro a subir a rua e a parar, triunfal à porta da casa de Silvares.
Depois não há mais nada. Nada até chegarmos ao Porto, noite dentro, como tantas vezes depois desse dia, a dormirmos todos no carro e estremunhados a entrar pela cozinha daquela que foi durante tantos anos a minha casa! Enorme!
O tempo se encarregaria de a fazer diminuir…
Já lá vamos… para que a conversa não seja como de costume, confusa e difícil de seguir… já lá vamos ao Porto, à minha nova cidade!

quarta-feira, junho 10, 2009

Um Caminho.1


A pergunta inicial é simples:
Como é possível envelhecer e morrer sem saber a idade?!

Que fenómeno estranho nos faz negar o espelho e olhar o mundo com os mesmos olhos de quando tínhamos pouco mais de vinte anos?
E ao mesmo tempo ver passar por nós os olhares do outros, na confirmação implícita da grande inevitabilidade.
De um lado, este espectador sem tempo, este jovem decidido… do outro, do lado de quem passa, o tipo gordo, com o fim anunciado do seu cabelo outrora muito… os seus olhos gastos… as palavras perras.

Sentado na esplanada do café, a olhar o Tejo, esse rio estranho, tão diferente do meu Douro umbilical.
Cansado, quase vencido pelas escolhas que não fiz, ou que fiz contrafeito… apetece-me pensar no caminho… e também nas outras escolhas… as que me vão dando o prazer da vida.
Onde é que tudo começa? Não esse princípio supremo da primeira respiração perante a luz… ou ainda mais atrás, mas onde tudo começa a complicar-se.
Qual o primeiro nó a desatar. Qual a primeira dificuldade em engolir o soluço…

Qual a razão da busca, quem se busca….
Qual o colo que se procura… qual a mão que se deseja?!

Vale a pena contar esta história? Vale a pena este pedaço de vida?
Que adiantámos nós, comuns dos mortais, à salvação da espécie?
Que é que ficará de nós depois da grande fogueira cósmica?
Quem sou eu, este que agora se dedica a pensar em si?
Para onde vou? Vale a pena sequer continuar a ir?

Pensar assim, nestas coisas, é fazer o balanço necessário para prosseguir viagem. Por isso, vamos lá!

Sempre achei que um bom livro se começa pelo título. Porque um bom título é a primeira parte do plano genial.
E a verdade é que não me ocorre nenhum título genial para este caminho…

E, sendo assim, lá vou à procura dos meus passos. Pode ser que me ocorra o nome certo.
Entretanto, aproveito e vou sentindo a brisa de Lisboa, essa terra que não é minha, e inalando o cheiro estranho da saudade…
Pode ser que entretanto a coisa surja, o tal plano genial…