quinta-feira, janeiro 25, 2007

Quero ser a gota de água!


O meu Amigo João Lopes, do blog http://www.o-observatorio.blogspot.com/ disse-me um dia, quando me deu o pontapé necessário para me iniciar nesta coisa da “blog-o-esfera” que um texto, para ter algum sucesso, não poderia ser muito longo.

E eu sei, acabei por verificar, que isso é bem verdade.

No dia a dia não temos tempo a perder e, por essa razão, não damos tempo a textos mais longos. Abrimos este e aquele blog, damos uma espreitadela rápida e partimos para outro, depois do comentário mais ou menos convencido…

Mas hoje… no intervalo do que ouço, apetece-me escrever, que é mais ou menos a mesma coisa que falar comigo…

Apetece-me passar a noite toda a discutir um tema que me preocupa… e me preocupa apesar de, e talvez por isso, não ser mulher.

A questão da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, o tal de aborto que os partidários do NÃO tanto gostam de lembrar, incomoda-me.

Incomoda-me porque é um sinal dos tempos!

A prova de que vivemos num mundo de mentira, numa época de hipocrisias disfarçadas de moralismos e de respeitos intermitentes pela vida.

Hoje ouvi um médico, ginecologista, defender o não, a pretexto de que, às dez semanas de gestação, um feto já é uma vida, devidamente “ecografável”, onde podemos ver uma futura criança.

Não pensa assim quando falamos do filho de uma violação. Essa criança, provavelmente, já não é para ele tão digna de respeito como o filho de uma relação de prazer mais explícito.

O mesmo médico, entende que a despenalização do “Aborto” vai onerar todos os contribuintes. Que as clínicas privadas passarão a facturar à nossa custa!

Até onde vai a vontade de distorcer os factos?!

Será que não é possível defender o não baseado apenas naquilo em que se acredita?!

Quando, um dia, porque um dia assim será, a interrupção voluntária da gravidez não for crime, poder-se-á recorrer a clínicas privadas sem o medo do castigo… mas cada um pagará o seu aborto!

Se recorrerem a um hospital público, é verdade que pagaremos todos… mas não pagamos já?

Alguém se preocupa em rastrear os custos do tratamento das complicações dos abortos ilegais?

Será que os argumentos contra a despenalização não têm por trás o princípio milenar de que o que é proibido é, necessariamente, mais caro?

E de que não é por ser mais caro que acontece menos?

A questão da despenalização da interrupção voluntária da gravidez é o último grande combate pela “autodeterminação” da mulher enquanto cidadão.

Durante milhares de anos deu-nos – a nós, machos “procriativos” – imenso jeito que a mulher engravidasse. Era assim uma espécie de maldição punitiva pelo pecado original que servia para segurar ao miolo da caverna a potencial “galdéria”.

O Homem partia para a caça, mais ou menos garrido com as suas pinturas tribais, acampava pelo mundo, invadia territórios alheios, violava as mulheres dos menos afortunados e, quando voltava para a sua gruta lá encontrava as mulheres e a prole, encostadinhos à pedra do Lar, à volta do calor do fogo…

Depois, bastava apenas cumprir a função. Atingir o seu orgasmo breve e solitário e garantir o sossego da fêmea enquanto os novos caçadores cresciam…

Outros tempos…

Mais tarde, a mulher deu-se ao luxo de pensar - que isto da escuridão das grutas é para o que dá – e, de forma subtil mas persistente foi introduzindo cambiantes fatais na relação humana.

Terá inventado a dor de cabeça como primeiro método de planeamento familiar… (e nem quero imaginar as lambadas, as mordidelas e outras fantasias masculinas para contrariar a maleita…), descobriu o poder das luas, a sua força nos seus ciclos vitais (e com isso desenvolveu a suas capacidades lógico-matemáticas, a astrologia…), a força do diálogo, nem que fosse preciso inventar mil e uma noites de fantasias…

Porque milhares de vidas à volta de caldeirões fumegantes dão força à magia… descobriu poções, métodos capazes de adiar os filhos (e de os desfazer quando tarde fosse…), descobriu que esse deus punitivo dos fins do paraíso não havia fechado as portas todas…

E descobriu também… a força do prazer.

Reinventou o sabor da maçã!

Porque nem só de dores de cabeça se faz, ou pode fazer, o universo feminino.

E, com esse prazer carnal, à volta do pecado original, regressa sempre o problema inicial:

Que é a capacidade, ou não, de decidir o momento certo para a maternidade…

O problema, até pode nem ser meu… (fosse eu capaz de ser assim, tão distante, da mãe que nos gerou…)

O problema pode até ser apenas das mulheres…

Mas se é assim… porque nos preocupamos tanto em julgar?!

Mais… em castigar!

Porque, ao votarmos (ou não) no próximo referendo, estaremos apenas a decidir o mais importante:

É crime?!

Deve ser castigado?!

Por isso voto sim! Um sim ao direito a escolher!

Mas que é um não, muito claro, ao castigo!

Os que votam não… terão os seus telhados cheios de pedras para atirar aos outros… e por isso, na provável culpa do remorso antecipado, vão inventando desculpas fáceis para acusar os outros… as descuidadas… as galdérias… as inconscientes… as promíscuas… as lascivas… as desprevenidas… as esposas submissas (incapazes das milenares dores de cabeça)…

Ou podem, apenas, não estar a ver o problema… ou nem querer saber…

E Deus… esse grande Deus capaz de perdoar… vai vendo o filme passar, no desenrolar fantástico do grande livre arbítrio, forja do melhor e do pior da humanidade…

A vida, no gesto criador, está muito para além da biologia… repousa sobretudo no direito à escolha!

É nisso que acredito!

Por isso voto SIM! Um SIM à liberdade de escolha.

Um SIM à responsabilidade!

Porque ser MÃE é uma coisa muito séria!

segunda-feira, janeiro 15, 2007


Hoje tive um sonho estranho.

O que me safa é que não costumo ter sonhos premonitórios.
É mais do tipo "medos recalcados":

Bom. Mas vamos ao que interessa: O Sonho, ou seja, o pesadelo.

Era dia de referendo... à noite... depois da contagem dos votos dos Açores... e o Sim perdia!

E depois?!
De facto eu até nem pretendo fazer nenhum aborto!
Até estou a descobrir que uma atitude assim mais do tipo "salve-se quem puder", os pobres que paguem a crise, traz vantagens interessantes.

Mas... havia uma ideia que me atormentava no reino de morfeu. Onde é que o País iria enfiar todas as pecadoras e seus cúmplices.

Foi então que o pesadelo se transformou em sonho perfeito.

Mas qual OTA, qual TGV!

O que o País precisa é de uma mega-prisão.
Uma grandiosa obra de regime, com quilómetros e quilómetros de betão e ferro, muita mão-de-obra ilegal para engordar o sistema e montes de novos funcionários prisionais para resolver o problema do desemprego.

E missas! Muitas missas para manter o povinho sossegado, em lume brando...
Bem no meio, uma grande catedral, construída pedra a pedra pelos meninos do rio, mandados vir de propósito do Brasil, em homenagem ao milagre da reprodução e da mão-de-obra barata.
Nas escadas da porta principal, pedintes, milhares de pedintes, ao serviço da nossa caridade... funcionários abnegados (os pedintes) da profissão de fé e do sexo original... antes das modernices blasfemas do uso do preservativo. Infectados, como convém em tempo de milagres...

É que, lá dizia o outro - numa versão livre - "o que é preciso é haver, ao menos, uma droga legal".

domingo, janeiro 07, 2007

Psicanálise da luta dos índios contra os cowboys…

Nada mais triste do que não perceber as nossas próprias opiniões, ou, dito de outra forma, a génese das nossas opiniões.

Que os outros não compreendam, é natural, entende-se e é explicável pela falta de visão de conjunto. Pela não participação no processo do nosso crescimento.

Nós só conseguimos ver uma pequena parte da realidade… e é provavelmente essa uma das razões de tantas diferenças de opinião.


O estranho é quando nos apercebemos, de súbito, que num dado momento da nossa vida algo mudou, tendo essa pequena mudança originado uma série de acontecimentos em cadeia que levou à formação de uma outra personalidade, bem diferente do expectável.

Houve um momento em que tudo levaria a acreditar que este sujeito que escreve estas linhas seria um defensor implacável do sonho Americano.

Recordo os primeiros livros, a formação “Enid Blyton” dos meus seis anos de primeiras letras, que se estendeu por alguns anos de infância. Com eles desenvolvi o meu desejo de aventura enquanto percebia que os Amigos fazem parte da história toda. E que sem eles, a história não tem sentido!

A seguir veio o Buffalo Bill, o David Crocket e o David Carson.

A ideia de que o mundo era um território imenso a descobrir e desbravar, empurrando a barbárie para reservas bem controladas enquanto a civilização avançava implacável.

De súbito, a criança que se imaginava num mundo de aventuras sob controlo, passou ao mundo exterior, ainda que num passado mais ou menos longínquo.

E porque todos todos nós aprendemos fazendo, dos bonecos dos gelados Olá, mimetizando os livros dos cinco nas construções dos legos, fomos passando às cowboyadas de rua, com tiros de imitação e a eterna recusa em fazer o papel do índio, entregue invariavelmente ao mais desejoso do apoio do grupo.

Para poder continuar em casa - fora de horas e às escondidas dos pais - a brincadeira preferida, à saída da escola, em vez de apanhar o autocarro de regresso, mentíamos aos pais e regressávamos a casa a pé, quer chovesse ou fizesse sol, para poupar os 2$50 do bilhete.

E a poupança desfazia-se no Bazar dos três vinténs, no balcão do far-west.

Comprávamos os índios e os cowboys (mais dos segundos, sempre, que dos primeiros, para manter a possibilidade de vitória) e iniciávamos a explicação do nosso mundo infantil.

O mundo girava em torno desta guerra civilizacional de plástico, alegoria pueril da nossa imaginação.

Vista à distância, não posso deixar de reparar na ironia do mercado: Um índio custava tanto como um cowboy… (5$00 – duas viagens de autocarro) e a única diferença no preço era o cavalo… sendo que um índio a cavalo valia tanto como um cowboy montado. (exactamente 10$00, ou seja, 4 viagens de regresso a casa).

Com esta criação do mundo, estreei-me na matemática aplicada à vida e compreendi que tudo se constrói peça a peça, mesmo quando se trata de construir um novo mundo.

Ao fim de algumas semanas (estimo que cerca de 60 – o que equivale a dizer 2 anos de ciclo preparatório, descontando as deliciosas e intermináveis férias de verão, de natal e Páscoa) eu e o meu irmão tínhamos um exército colonial à maneira e muitos, mesmo muitos, inimigos a combater.

Com ajuda externa fomos possuindo tendas para os índios e casas para os cowboys, até que um dia construímos, no pátio da nossa casa, o forte dos cowboys.

Mas, ironia das leituras, o tempo que vivia ajudou-me a descobrir outros universos.

Júlio Verne substituiu Buffalo Bill e o miúdo dos doze anos encontrou outras perguntas…

Com o passar dos meses, enquanto os nossos "Bills", os "Kits" e "Crockets" iam vencendo os "nuvens negras", os "bocejos de urso" e outros personagens da nossa imaginação, fomos perdendo o sentido posicional e ganhando afeição pelos fracos.

E um dia, num daqueles domingos estremunhados sem programação televisiva capaz de acalmar os putos, juntámos a pólvora dos cartuchos de caça do vizinho do lado e planeámos a revolta dos índios.

Minámos o forte (o tal que nos tinha custado semanas a construir), colocamos os cowboys em pontos estratégicos e posicionamos os índios nas redondezas, de forma a poderem assistir à grande batalha.

Quando não havia vizinhos nas imediações riscámos o fósforo, acendemos o rastilho e sentámo-nos a assistir à vingança dos oprimidos.

O forte ardeu, todo, os cowboys derreteram em pequenas chamas azuis até serem apenas insignificantes coágulos de plástico no chão e, durante largas horas, abateu-se sobre a casa um cheiro nauseabundo a morte.

E depois… perdeu a graça!

Nos anos seguintes, a imagem dos cowboys aos gritos foi-se apagando da minha imaginação, até que ontem, acordei estremunhado e compreendi porque razão a minha brincadeira favorita tinha acabado.

Para terminar, uma referência a uma das personagens que mais me marcou:

O Tim.

O resto… fica apenas para a vossa imaginação!...