O meu Amigo João Lopes, do blog http://www.o-observatorio.blogspot.com/ disse-me um dia, quando me deu o pontapé necessário para me iniciar nesta coisa da “blog-o-esfera” que um texto, para ter algum sucesso, não poderia ser muito longo.
E eu sei, acabei por verificar, que isso é bem verdade.
No dia a dia não temos tempo a perder e, por essa razão, não damos tempo a textos mais longos. Abrimos este e aquele blog, damos uma espreitadela rápida e partimos para outro, depois do comentário mais ou menos convencido…
Mas hoje… no intervalo do que ouço, apetece-me escrever, que é mais ou menos a mesma coisa que falar comigo…
Apetece-me passar a noite toda a discutir um tema que me preocupa… e me preocupa apesar de, e talvez por isso, não ser mulher.
A questão da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, o tal de aborto que os partidários do NÃO tanto gostam de lembrar, incomoda-me.
Incomoda-me porque é um sinal dos tempos!
A prova de que vivemos num mundo de mentira, numa época de hipocrisias disfarçadas de moralismos e de respeitos intermitentes pela vida.
Hoje ouvi um médico, ginecologista, defender o não, a pretexto de que, às dez semanas de gestação, um feto já é uma vida, devidamente “ecografável”, onde podemos ver uma futura criança.
Não pensa assim quando falamos do filho de uma violação. Essa criança, provavelmente, já não é para ele tão digna de respeito como o filho de uma relação de prazer mais explícito.
O mesmo médico, entende que a despenalização do “Aborto” vai onerar todos os contribuintes. Que as clínicas privadas passarão a facturar à nossa custa!
Até onde vai a vontade de distorcer os factos?!
Será que não é possível defender o não baseado apenas naquilo em que se acredita?!
Quando, um dia, porque um dia assim será, a interrupção voluntária da gravidez não for crime, poder-se-á recorrer a clínicas privadas sem o medo do castigo… mas cada um pagará o seu aborto!
Se recorrerem a um hospital público, é verdade que pagaremos todos… mas não pagamos já?
Alguém se preocupa em rastrear os custos do tratamento das complicações dos abortos ilegais?
Será que os argumentos contra a despenalização não têm por trás o princípio milenar de que o que é proibido é, necessariamente, mais caro?
E de que não é por ser mais caro que acontece menos?
A questão da despenalização da interrupção voluntária da gravidez é o último grande combate pela “autodeterminação” da mulher enquanto cidadão.
Durante milhares de anos deu-nos – a nós, machos “procriativos” – imenso jeito que a mulher engravidasse. Era assim uma espécie de maldição punitiva pelo pecado original que servia para segurar ao miolo da caverna a potencial “galdéria”.
O Homem partia para a caça, mais ou menos garrido com as suas pinturas tribais, acampava pelo mundo, invadia territórios alheios, violava as mulheres dos menos afortunados e, quando voltava para a sua gruta lá encontrava as mulheres e a prole, encostadinhos à pedra do Lar, à volta do calor do fogo…
Depois, bastava apenas cumprir a função. Atingir o seu orgasmo breve e solitário e garantir o sossego da fêmea enquanto os novos caçadores cresciam…
Outros tempos…
Mais tarde, a mulher deu-se ao luxo de pensar - que isto da escuridão das grutas é para o que dá – e, de forma subtil mas persistente foi introduzindo cambiantes fatais na relação humana.
Terá inventado a dor de cabeça como primeiro método de planeamento familiar… (e nem quero imaginar as lambadas, as mordidelas e outras fantasias masculinas para contrariar a maleita…), descobriu o poder das luas, a sua força nos seus ciclos vitais (e com isso desenvolveu a suas capacidades lógico-matemáticas, a astrologia…), a força do diálogo, nem que fosse preciso inventar mil e uma noites de fantasias…
Porque milhares de vidas à volta de caldeirões fumegantes dão força à magia… descobriu poções, métodos capazes de adiar os filhos (e de os desfazer quando tarde fosse…), descobriu que esse deus punitivo dos fins do paraíso não havia fechado as portas todas…
E descobriu também… a força do prazer.
Reinventou o sabor da maçã!
Porque nem só de dores de cabeça se faz, ou pode fazer, o universo feminino.
E, com esse prazer carnal, à volta do pecado original, regressa sempre o problema inicial:
Que é a capacidade, ou não, de decidir o momento certo para a maternidade…
O problema, até pode nem ser meu… (fosse eu capaz de ser assim, tão distante, da mãe que nos gerou…)
O problema pode até ser apenas das mulheres…
Mas se é assim… porque nos preocupamos tanto em julgar?!
Mais… em castigar!
Porque, ao votarmos (ou não) no próximo referendo, estaremos apenas a decidir o mais importante:
É crime?!
Deve ser castigado?!
Por isso voto sim! Um sim ao direito a escolher!
Mas que é um não, muito claro, ao castigo!
Os que votam não… terão os seus telhados cheios de pedras para atirar aos outros… e por isso, na provável culpa do remorso antecipado, vão inventando desculpas fáceis para acusar os outros… as descuidadas… as galdérias… as inconscientes… as promíscuas… as lascivas… as desprevenidas… as esposas submissas (incapazes das milenares dores de cabeça)…
Ou podem, apenas, não estar a ver o problema… ou nem querer saber…
E Deus… esse grande Deus capaz de perdoar… vai vendo o filme passar, no desenrolar fantástico do grande livre arbítrio, forja do melhor e do pior da humanidade…
A vida, no gesto criador, está muito para além da biologia… repousa sobretudo no direito à escolha!
É nisso que acredito!
Por isso voto SIM! Um SIM à liberdade de escolha.
Um SIM à responsabilidade!
Porque ser MÃE é uma coisa muito séria!