domingo, abril 30, 2006

Crescei e multiplicai-vos


Crescei e multiplicai-vos!

É, muito provavelmente, com base neste princípio sagrado que o governo da Nação tem legislado em matéria de impostos.

Num artigo de Ana Sá Lopes Contra os Canhões este assunto é tratado de forma muito interessante e, a meu ver em pelos menos dois prismas de importância vital.

O primeiro é a penalização das famílias que optam por ter apenas um filho, subindo os descontos para a “caixa” em relação às demais. Ter filhos volta assim a ser um desígnio nacional, como se estivesse hoje em causa a nossa identidade.
Nós que eramos e ainda somos conhecidos pela nossa abertura ao mundo, pela forma natural como, por decreto ou por apetite sexual, nos misturamos com outros povos, sentimo-nos hoje ameaçados pelos “povos invasores”.
E este é o segundo prisma com que aborda o assunto.
É curioso como não reflectimos sobre o facto de algumas das nações mais prósperas terem sido exactamente aquelas que controlaram a sua natalidade e souberam abrir as suas portas, de forma equilibrada, a outros povos...

A Humanidade assemelha-se hoje a uma imensa arca de Noé onde uma espécie, por necessitar de espaço vital, vai comendo e esmagando as restantes espécies e, porque o barco não cresce, vai empilhando os seus filhos do homem nas várias camadas disponíveis, respeitando princípios sempre actuais, ligados à questão das raças e numa lógica de escuros por baixo e de quanto mais brancos mais ao sol!

Não aprendemos nada!

Eu, como muitos outros portugueses, a minha mulher incluida, (até porque no que diz respeito à reprodução da espécie são as mulheres que têm a opinião mais avalizada), optei por ter apenas um filho. E fi-lo por questões económicas, sociais e ecológicas, sendo que a ordem dos factores é arbitrária.
A minha pulsão primeira era ter mais filhos.
Continuo a acreditar que ter filhos é bom. Realiza quando a tarefa é levada a sério, com respeito pela dignidade dos “miúdos” e com uma atitude de abertura constante às novas formas de ler o "ainda" nosso tempo.
Continuo a respeitar todos aqueles que, porque não pensam neste assunto, ou porque não têm tempo (porque ganhar a vida pode ser uma actividade terrível e extenuante!) ou porque não sabem o suficiente para se anteciparem ao acaso, se multiplicam mais do que me parece equilibrado.
É evidente que entre ter um filho apenas e dar início a uma verdadeira ninhada, há um caminho a percorrer.

A partir de um certo número de filhos, já não consigo compreender os que, escolhendo a via da multiplicação selvagem ainda esperam ser recompensados por isso!
Esperam impostos reduzidos, abonos de família na ordem do: reproduza-se que cada um dos seguintes dá mais que o anterior, casas sociais mais rapidamente do que os casais que se organizam e, quantas vezes com tristeza, fazem verdadeiro planeamento familiar.

Para sustentar tudo isto, o governo deixa de fornecer os novos anticoncepcionais, adia laqueações em mulheres que insistem para o fazer, continua a ignorar o planeamento familiar ao nível das unidades de saúde.

O que não compreendo nem consigo aceitar é que os filhos de todos os que chegam ao nosso país para trabalhar não possam ser vistos como filhos da nossa Nação Portuguesa, educados pelos nossos valores e usufruirem dos direitos que os descontos dos seus Pais lhes deveriam garantir.

Um povo que se afirmou como um Império tem hoje medo dos filhos de quem governou.
Amarga ironia que faz um governo socialista defender o “crescei e multiplicai-vos”.

quarta-feira, abril 26, 2006

Lembrar Abril

E quando fechei o livro, no sagrado desconforto de um prazer terminado, senti que tinha tocado ao de leve numa das respostas necessárias.
Não a resposta à eterna pergunta do “quem sou”, mas à outra: “o que faço aqui”?.
Este livro que fechei – A sombra do Vento de Carlos Ruiz Zafón - é um exemplo de angústias, de histórias tristes como a alma do mundo, deste mundo povoado, e, no entanto, até porque o final é uma promessa de felicidades... fez-me acreditar.
Estamos cá... à procura do deslumbramento!
E ele chega, por vezes, nas páginas de um livro.
Este acreditar que há sempre esperança, mesmo quando tudo insiste em nos lembrar que a história dos homens está repleta de páginas de sangue e ódio.
Acabei de ler o livro nesta tarde de Abril, no dia 25 deste mesmo mês.
E... reconheço agora que a sua história se repetiu em Portugal nalguns dos pontos mais crueis na história recente do meu País.
Cá, como em barcelona - sendo certo que com menos cicratizes e ódios menos refinados – pisaram-se sonhos e torturaram-se muitas vozes com esperança.
E é por isso que eu digo, sobretudo à minha filha Joana, que na mesma tarde de 25 de Abril, mas de 1994, deu os seus primeiros passos na Praça da Liberdade, que não deixe que ninguém lhe minta, dizendo que não há ou houve inspectores “Funero”.
Que não consinta que lhe ocultem as passagens negras da nossa pobre humanidade.
E... sobretudo... que faça que para ela haja sempre Abril.
Uma esperança infindável.
Porque... apesar de tudo... pelo sonho é que vamos.

sexta-feira, abril 14, 2006

Os gaiteiros


Usa-se dizer que somos um País pequeno, onde não se justifica o estabelecimento de regiões.
Não importa para muitos que a língua se fale de maneiras diversas, como não importa que se veja a realidade com outras perspectivas.
O que importa é deixar que tudo continue na mesma... com um País governado a partir de um ponto apenas, para onde convergem muitos e muita riqueza, que , porque o que vai nunca volta igual, acaba por se ficar por lá, obviamente utilizada em obras de indiscutível valor, mas nem sempre realizadas onde mais precisamos todos.

O País é, de facto, um pequeno território, hoje minguado pelas novas estradas, reais e virtuais que nos cruzam de norte a sul e de leste a ocidente.
Hoje, apesar disso, não estamos ainda mais pobres, ou, pelo menos, espoliados de toda a riqueza milenar que temos insistido em arrastar connosco.
Cada dia que passa, parece-me justificar-se mais a marca das diferenças que temos uns dos outros e, ao mesmo tempo, a procura dos pontos de contacto.
Cada dia que passa, sinto-me mais próximo da Galiza, ao mesmo tempo que vejo melhor o que me diferencia dos Algarves...

E nisso não deve ser visto um sentimento qualquer de recusa de qualquer tipo de Portugalidade.
Não me identificando em absoluto com as gentes da nossa ponta a sul, não deixo de ver e entender os pontos que nos unem.
Consigo ver, apesar dos sotaques que nos separam, todos os mil anos que nos unem.
Na língua, claro, mas também nos olhos que contemplam o mundo, ao menos na forma como olhamos certas realidades.

Hoje ouvi uma história real, uma daquelas coisas sem importância, mas que marcam outras proximidades.
Dizia-me um Amigo de Valença (aquela cidade bem a Norte da República Portuguesa), que, todos os anos, por ocasião das festas Galegas a S. Telmo (que é o padroeiro dos navegantes), o Alcaide de Tui vem à ponte que separa os dois antigos condados buscar o Presidente da Câmara desta cidade Portuguesa, acompanhado de uma extensa comitiva de notáveis da galiza e dos Gaiteiros da Praxe, para, com dança e alegria, celebrarem em conjunto as festas do Ajuntamento.

É a história bonita que ilustra que há fronteiras que não conseguem separar certos povos.

E que sendo Portugueses... não deixamos de ser Galegos...