segunda-feira, janeiro 16, 2006

Que o Tempo não apague...


Estive 7 dias ausente em terras de Espanha (Pela Grande Nação Ibérica), mais precisamente em Tenerife, e, para além daquelas coisas normais quando acontecem as reuniões anuais das grandes empresas multinacionais, tive a oportunidade de viver uma das experiências mais ricas dos meus últimos anos.
Quando a direcção da companhia em que trabalho nos anunciou ter um convidado especial para nos falar de esperança, confiança e determinação (ideias base em qualquer área da nossa existência), entrou pela sala dentro um Amigo de há muitos anos, um colega de trabalho que há 3 anos nos tinha abandonado para o combate da sua vida.
A história conta-se em poucas palavras.
Em Dezembro de 2002, no dia em que esse colega tinha um encontro marcado comigo para discutirmos os "grandes problemas" do nosso dia a dia profissional, telefonou-me a dizer que se atrasaria um pouco porque estava com o corpo cheio de estranhas nódoas negras.
Fizemos o natural discurso recíproco do "isso não é nada!"," claro! Porque é que havia de ser..." e aguardei algo ansioso pelo diagnóstico.
Esse diagnóstico chegou como prognóstico terrível meia hora depois, pela voz da mulher dele.
O meu Amigo entrou em coma, teve um enfarte na sequência da sua rápida degradação física, perdeu sangue... rios de sangue... e, durante uma semana inteira, o mundo de toda a sua família e Amigos viveu à volta da incerteza de uma doença terrível.
Terrível porque súbita! Terrível porque habitualmente demolidora!
Ao Miguel foi-lhe diagnosticada uma leucemia mieloide aguda, que é uma variante rápida e por isso mesmo com prognóstico muito reservado da forma crónica da leucemia.
Recuperou... a consciência. Soube o que tinha e decidiu resistir... resistir sempre. O mais possível.
Bateu no fundo. Muitas vezes! Disse-me há dois dias que viu retirarem-lhe toda a dignidade. E disse-mo sempre com um sorriso. Com um optimismo imenso e uma esperança inabalável.
Não vale a pena falar-vos dos pormenores das quimios, das rádios e de outras intervenções desesperadas... de todos os exames a que teve de ser sujeito durante três anos de resistência.
Vale a pena dizer-vos que o Miguel tem um prazer imenso em estar cá. Que sabe que a própria vida é uma doença fatal, com um desenlace inevitável para qualquer um, mas que vale a pena.
Vale a pena dizer-vos que o Miguel tem um orgulho imenso em saber que hoje corre nas suas veias o sangue dos colegas e Amigos que acorreram ao Hospital para o salvar.
Vale também a pena dizer-vos que o Miguel vive porque tem objectivos concretos. Tem projectos. Vontade de cá estar. Com os filhos. Com a mulher. Com os Amigos.
Vontade de cá estar com ele próprio!
Com ele aprendi, vivenciando, que todas as coisas são importantes... mas que há coisas na vida que deverão estar sempre no topo das nossas prioridades.
Espero que o tempo não me "desensine", esse animal voraz que tudo ilude e tudo apaga.
Com ele aprendi que quando gostamos de cá estar... só devemos é aproveitar!

9 comentários:

Zel disse...

É nos momentos de adversidade que damos valor a coisas e situações que nos passam ao lado, é também quando muitos sentimentos se tornam mais fortes.

O Eduardo Leal a par com o meu Amigo João Lopes , elaboram artigos que dá gosto ler. Vou Linkar o Fio do Norte como um ponto de visita regular.

Forte abraço

Anónimo disse...

é daquelas coisas para as quais nunca estamos preparados e que nos atingem de forma especialmente aguda... aprende a importancia da vida com esse teu amigo... ora entao um grande bem haja

nunofigueiredo disse...

"Espero que o tempo não me "desensine", esse animal voraz que tudo ilude e tudo apaga."

Pois esta é que é a grande questão. Não deixar esquecer, os votos que fazemos nestes momentos.

Normalmente só quando nos volta a bater, bruta e friamente é que lembramos. E depois fazemos votos que .... até que nos bata outra vez. è vida!

Abraço a todos.

Vica disse...

Que linda história, fico feliz por saber que teu amigo está bem. Obrigada pelo comentário. Beijos!

JL disse...

Fantástico este artigo do Eduardo. Mais um. E comovente. Conheço a história. Conheço o protagonista. Conheço a época em que tudo aconteceu. E conheço o meu amigo Eduardo para saber que isto o comoveu a sério. Percebi-o na sua voz, ao telefone, quando me disse o que tinha acontecido na Reunião em Tenerife. Um abraço ao personagem. Um forte abraço.

Ricardo disse...

Viva,

Impressonante o relato. Manda ao Miguel um abraço da minha parte, virtual e anónimo, mas de quem respeita e sauda essa vontade de viver. Também já passei por uns sustos - não com essa dimensão - e sei o quanto ter amigos como o Miguel tem é importante.

Um grande abraço,

Anónimo disse...

Eduardo e Zé visitei-vos hoje pela primeira vez. Porque será que não fiquei surpreendida com o conteudo do vosso espaço!!!???.

Um beijinho imenso e continuem
Teresa

Eduardo Leal disse...

Porque será?! Porque será?!

Obrigado pela força e vamos a ele no Domingo!

Beijos...

Su disse...

belo este testemunho
imenso esse querer viver
gostei de ler
jocas maradas de tempo